20 de Novembro: o que podemos
comemorar?
Data marca, também, conquista de
direitos das crianças. Mas, no Brasil, elas continuam vítimas de mensagens
publicitárias que exploram sua vulnerabilidade
Por Lais Fontenelle
Em 20 de
novembro a Convenção dos Direitos das Crianças e Adolescentes da ONU faz
aniversário. Temos o que comemorar? Sim. Pois até 1990, antes da promulgação do
ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) – dispositivo legal que dispõe sobre
a proteção integral às crianças e adolescentes –, eles eram vistos como
objetos. Hoje, o Artigo 227 de nossa Constituição Federal de 1988, considerada
Constituição Cidadã, afirma: “É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária.” Inaugurou assim a doutrina da proteção integral da criança e o
conceito de prioridade absoluta da infância. O que falta, então? Efetividade da
lei? Ou é uma questão ética e moral? Talvez o que falte de fato seja o
reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, além de
seres vulneráveis que precisam ser protegidos e resguardados nessa fase de
desenvolvimento.
O mundo mudou.
Vivemos hoje conectados aos meios de comunicação e redes sociais desde o
momento que acordamos até a hora de dormir. São outros tempos, nos quais a
conectividade e o consumo pautam nossa socialização. E nesse novo tempo podemos
dizer também que a infância encurtou. As crianças são hoje, desde cedo,
incitadas a fazer parte da lógica do mercado, e a forma como são olhadas e
investidas, simbolicamente, pelos outros, passa pela cultura consumista. Mas, a
criança nem sempre foi vista da mesma forma pela sociedade ou cultura.
Antigamente a
criança era tida como um vir a ser – que precisava ser preparada para o
mundo adulto. A sociedade medieval, até aproximadamente o século XII, não tinha
nem o costume de retratar as crianças – elas pareciam não fazer parte do espaço
social. A infância era vista como um período de transição, logo ultrapassado.
Hoje o cenário mudou. A criança perdeu sua invisibilidade e está no foco das
atenções, principalmente do mercado, que não a enxerga mais como filha do
cliente e sim como consumidora final, além de alguém que tem forte apelo de
consumo junto aos amigos e à família – chegando a influenciar em 80% dos
processos decisórios das compras de casa.
Já se foi o
tempo, também, em que crianças necessitavam de alfabetização formal para ingressar
no mundo adulto e obter informações. Hoje, basta apertar um botão ou tocar uma
tela. A pedagogia das mídias impera. A criança brasileira, assim como a de
muitos outros países, tem consumido cada vez mais diferentes mídias e, seguindo
a tendência mundial, muitas vezes realiza esse consumo de forma concomitante:
ouve rádio enquanto navega na internet, assiste televisão enquanto acessa o
Facebook, joga no computador e ao mesmo tempo fala no celular. Porém, a TV
ainda é campeã de audiência entre os pequenos que, no Brasil, passam em média
mais de 5 horas do seu dia em frente às telas. É inegável então que as crianças
perderam as ruas e ganharam as telas. A televisão tem sido, hoje, um dos meios
mais importantes no processo de socialização das crianças brasileiras, além da
forma de entretenimento preferida, à frente até das brincadeiras.
O mercado
enxergou, portanto, no abandono de nossas crianças frente às telas, uma grande
chance de aumentar seus lucros, e passou a “cuidar” de nossos pequenos criando
uma série de programações e produtos feitos sob medida. Vitrines lotadas dos
mais variados brinquedos, publicidade na TV, merchandising dentro da
programação infantil e até de escolas, produtos licenciados apelativos e
embalagens chamativas são apenas algumas técnicas de comunicação mercadológica
utilizadas para atingir as crianças. Mas, não podemos esquecer que as crianças
são seres em desenvolvimento psíquico, afetivo e cognitivo, e que a maioria
delas, até os doze anos, ainda não tem a capacidade crítica e de abstração de
pensamento formada para a compreensão total de um discurso persuasivo como o da
publicidade – que vende valores, além de objetos. É inegável, então, o
impacto negativo da publicidade na vida de nossas crianças e consequências
nefastas como consumismo, obesidade infantil, erotização precoce, estresse
familiar, violência, consumo precoce de álcool e insustentabilidade ambiental.
As crianças
serão no futuro, obviamente, em função do tempo em que vivemos, consumidoras.
Logo, além de terem o direito de ser protegidas legalmente da comunicação
mercadológica que lhes é dirigida, como já acontece em 28 países do mundo —
incluindo aí os que têm a melhor qualidade vida — elas precisam ser preparadas
para que sejam consumidoras não só conscientes como responsáveis. Todos os
agentes sociais, e aí inclui-se também o mercado, têm a responsabilidade
compartilhada de salvaguardar nossas crianças e adolescentes da exploração de
sua vulnerabilidade frente aos apelos de consumo.
Crianças têm
direitos: a saúde, educação, alimentação e, principalmente, a ter infância.
Nenhum deveria ficar de fora. Neste 20 de novembro, faço o convite para
olharmos nossas crianças como sujeitos de direitos e seres em formação - que
merecem ser protegidas frente à comunicação mercadológica e ao convite para
ingressar no mundo adulto de consumo antes do tempo. Nossas crianças são as
mensagens que enviamos a um tempo que não veremos, e têm nas mãos o poder de
reinventar as relações de consumo para que sejam mais sustentáveis do que têm
sido.
Tudo depende
da atuação conjunta de todos os atores sociais, em duas frentes: educação e
regulação. A família e a escola devem se reempoderar de sua função de educar as
crianças, passando valores mais humanos e democráticos, e o Estado deve assumir
o seu papel de regulamentar a publicidade dirigida às crianças até os doze anos
— para que políticas econômicas não sejam dissociadas de políticas sociais.
Ainda não existe no Brasil uma lei federal que regule a publicidade dirigida às
crianças. O projeto de lei 5921/01, que versa sobre esse tema, tramita há doze
anos no Congresso - significando que uma geração inteira de crianças continuou
sendo alvo de mensagens comerciais abusivas. A proteção à infância é dever de
todos, como previsto em lei. Façamos nossa parte na luta por uma infância livre
de apelos comerciais!
Reproduzido
de Outras
Palavras
19 nov 2013Clique na imagem com o botão direito do mouse para ampliar
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