Lugar de criança é na publicidade?
A publicidade dirigida às crianças e suas implicações éticas
28 de novembro de 2013
17 horas
Auditório do Serviço Social
Bloco E . Campus do Grogoatá/UFF . Niterói . RJ
Painel 1: Infância, mídia e consumo
Vanessa Anacleto, Marcus Tavares, Luciene Burlandy, Regina de Assis
Painel 2: Regulação da Comunicação Mercadológica Dirigida às Crianças
Rafael Sampaio, Salvador Zimbaldi, Gabriela Borges, Rodrigo Murtinho
Realização
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Lugar de criança não é na publicidade
Por Ana Paula Bragaglia*
Que a
publicidade infantil é responsável por grande parte da fatia publicitária em
veículos diversos, incluindo televisão, todo mundo sabe. O que não é muito
ecoado, porém, é a sua também potencialmente danosa utilização como
influenciadora de compra em comerciais para adultos. Obras que contestam a publicidade
infantil, como a de Schor (2009), buscam comprovar essa estratégia com a
afirmação de que canais exclusivos de programação infantil contam com
sucessivos comerciais de produtos para adultos. Outra abordagem da autora
complementa essa visão do mercado da criança como influenciadora de compra:
“100% dos
pais de crianças com idade entre dois e cinco anos revelara que seus filhos
tiveram influência na compra de alimentos e lanches rápidos. Para as escolhas
relativas a vídeos e livros, a taxa de concordância está em 80% e para produtos
de saúde e beleza em 50%. O Relatório Roper Youth aponta que 30% das crianças
com idade entre seis e sete anos escolhe os próprios alimentos no varejo, 15%
escolhe seus jogos e brinquedos e 33%, seus lanches e guloseimas. A pesquisa
demonstrou ainda que a influência aumenta com a idade” (SCHOR, 2009, p.19).
Também tocam
nesse ponto algumas justificativas presentes nos vários textos relacionados ao
PL 5.921/01 (há mais de uma década tramitando no Congresso), que confere maiores
restrições à publicidade infantil no Brasil. Entre tais informações estão as
colocadas no último substitutivo, elaborado e divulgado há poucas semanas pelo
deputado federal Salvador Zimbaldi (PDT/SP). O parlamentar apresentou o seu
parecer depois de mais de dois anos de sua nomeação como relator no novo
processo de análise do documento na Comissão de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática – CCTCI (ver
aqui). Sobre essa questão, consta em seu texto, por exemplo, que:
“Dados de
pesquisas do próprio mercado apontam que a criança influencia cerca de 80% das
compras de uma casa, o que vai desde comida, passando por brinquedos, o carro
da família e até mesmo materiais de limpeza.”
Crianças participam da assinatura de
uma marca
O referido
substitutivo, assim como outros, demonstra também em outras passagens a
preocupação com a criança sendo vista como influenciadora de compra. Exemplo
disso é o fato de estender restrições a anúncios de produtos típicos de
adultos. Entre esses, estão “qualquer outro produto, prática ou serviço cujo
consumo por crianças ou adolescentes seja proibido ou não recomendável”, como
bebidas alcoólicas, armas de fogo, medicamentos e os “de natureza sexual ou com
forte apelo à sensualidade”. Somam-se a esses, porém, também produtos
frequentemente anunciados com linguagem infantil e cujo estímulo publicitário
nem sempre é visto como inadequado a menores, como “serviços financeiros” (bancos)
e “alimentos com quantidade elevada de açúcar, de gordura saturada, de gordura
trans ou de sódio e bebidas com baixo teor nutricional”.
Essas e
também várias outras categorias de produtos devem ou deveriam mesmo ser
incluídas nessa listagem. Afinal, basta lembrar dos não raros anúncios de
bancos, celulares, automóveis e, entre outros, até mesmo produtos de limpeza
(!), para compreender que a presença de crianças na linguagem publicitária de
produtos para adulto parece estar mesmo sendo vista como uma fórmula “criativa”
de sucesso pelo setor, devendo, portanto, receber atenção em projetos de lei
sobre o tema.
Um desses
anúncios é a campanha em veiculação do HSBC, na qual várias crianças falam de
seus sonhos singelos e/ou fantasiosos, enquanto seus avós reclamam da
frustração de não terem realizado o que realmente os encantava (ver anúncio
aqui).Além
dessa peça, tem-se outras, como a do automóvel Passat 2012, da Volkswagen (de
sessenta segundos) em que o protagonista é justamente uma criança vestida de
Darth Vader (só na metade do comercial há alguma referência ao carro
divulgado); as abordagens da operadora Oi com crianças participando tanto do
conteúdo da peça quanto da assinatura da marca, e as propagandas do limpador de
cozinha “Mr. Músculo”, que apresentam “o próprio” em animação além de uma
criança no papel principal do enredo (ver anúncio aqui, aqui e aqui).
“Mercado de influência”
E como esse
tipo de publicidade influenciaria os pais a algum tipo de compra? Os pais
dariam início ao interesse de compra, naturalmente, mas poderiam ceder à
opinião das crianças quanto a marcas e modelos de produtos. Schor (2009, p. 19)
explica que uma das razões para isso é o fato de que, quando crianças, muitos
pais viveram exatamente o oposto: sua família era mais autoritária, alijando-os
inclusive das tomadas de decisões de compra. Em contrapartida, os pais do
pós-guerra fizeram questão de abrir esse canal “pois viam as decisões de consumo
como oportunidade educativa”. Nesse momento, inclusive, é que teria realmente
surgido o chamado “mercado de influência” focado no público infantil (SCHOR,
2009, p. 19).
Ao colocar
crianças e qualquer apelo típico do universo infantil (animações, áudios,
ídolos, personagens, etc.) em comerciais de produtos para adultos, tais
abordagens se tornam atraentes também para menores. Afinal, tem-se o chamado
“apelo imperativo de consumo”, porém “indireto” (o qual já consta como ilegal
na proposta do substitutivo mencionado, resolvendo uma lacuna da
autorregulamentação que costuma considerar apelo direto apenas os que contêm
frases imperativas ou outro estímulo mais declarado ao consumo).
Mas se esses
produtos não seriam consumidos por crianças, por que entender que uma linguagem
direcionada também a elas seria prejudicial? Simplesmente por que, através de
tais apelos, uma ideologia de consumo como um todo (consumista) não
recomendável à sua faixa etária por várias razões passa a ser por elas
observada. Ou seja, a criança pode não se interessar por um carro ou por uma
conta bancária, mas o apelo infantil também nesses produtos pode lhe fazer
desde cedo atentar para a publicidade em geral e, consequentemente, para
desejos de consumo presentes em outros anúncios. Além disso, a criança pode
entender esses produtos e marcas adultos com apelo infantil como mais um código
de socialização e sofrer as consequências (discriminatórias-estereotípicas)
caso seus pais não possam adquiri-lo. O comercial da marca de automóvel Citroen
Xsara Picasso, de 2003, aliás, “dedicou-se” a descrever bem essa possibilidade,
ao apresentar crianças pedindo para seus pais estacionarem longe da escola,
pois não queriam “pagar mico” mostrando aos colegas o carro de sua família (que
não era como o modelo ofertado). (ver vídeo aqui).
Vale complementar tal preocupação com esse “mercado de influência” envolvendo
crianças citando a própria inserção precoce deste público em uma rotina adulta
de testes e busca de profissionalização para conseguir papeis nos anúncios.
É bom que os políticos acordem
Em maio desse
ano, participei de um debate sobre a regulamentação da publicidade infantil
conduzido pelo jornalista Luiz Augusto Gollo contando com a presença de uma
representante da ONG Infância Livre de Consumismo, Vanessa Anacleto e, por
telefone, do próprio deputado Salvador Zimbaldi (ver aqui).
O parlamentar cumpriu o comentado na ocasião: concluiu seu parecer logo no mês
seguinte e, pelo conteúdo de seu texto, talvez tenha entrado em contato, ao
menos brevemente, com propostas enviadas por professores de ética publicitária
como eu e outros interessados. Agora, cabe à sua comissão e demais legisladores
adotarem o mesmo ritmo de trabalho do Congresso dos últimos dias para fazer o
PL 5.921/01 ser efetivamente implementado e aproximar a legislação brasileira
nesse âmbito da aplicada por países de primeiro mundo como Noruega, Canadá,
Suécia, Dinamarca, Grécia e Bélgica.
Em um clima
de opinião favorável à contestação, é bom que esses representantes políticos
acordem também para esse tema, como têm feito para outros, engavetados há anos.
Na dúvida, tomando o oportuno bordão da época e aproveitando esse profícuo
cenário, continuemos nas ruas.
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Referências bibliográficas
INSTITUTO
ALANA. Disponível
aqui, acesso em 02 nov. 2012.
SAMPAIO,
Inês. “Publicidade e infância: uma relação perigosa”. In: VEEET, Vivarta
(org.). Infância e consumo: estudos
no campo da comunicação. Brasília: Andi; Instituto Alana, 2009.
SCHOR,
Juliet. Nascidos para comprar. Uma
leitura essencial para orientarmos nossas crianças na era do consumo. São
Paulo: Editora Gente, 2009.
* Ana Paula Bragaglia é publicitária e
professora de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense
Reproduzido de
Observatório
da Imprensa . Edição 754
09 jul 2013
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