Faixa

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domingo, 10 de novembro de 2024

35 Anos da Convenção sobre os Direitos da Criança - 1989/2024

 


Convenção sobre os Direitos da Criança

Instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal. Foi ratificado por 196 países.


A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989. Entrou em vigor em 2 de setembro de 1990.

É o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal. Foi ratificado por 196 países. Somente os Estados Unidos não ratificaram a Convenção. O Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança em 24 de setembro de 1990.


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Preâmbulo

Os Estados Partes da presente Convenção,

Considerando que, de acordo com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, a liberdade, a justiça e a paz no mundo fundamentam-se no reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana;

Conscientes de que os povos das Nações Unidas reafirmaram na Carta sua fé nos direitos fundamentais do homem e na dignidade e no valor da pessoa humana, e que decidiram promover o progresso social e a elevação do nível de vida com mais liberdade;

Reconhecendo que as Nações Unidas proclamaram e concordaram, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos pactos internacionais de direitos humanos, que todas as pessoas possuem todos os direitos e liberdades neles enunciados, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra natureza, seja de origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição;

Lembrando que na Declaração Universal dos Direitos Humanos as Nações Unidas proclamaram que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais;

Convencidos de que a família, como grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros e, em particular, das crianças, deve receber a proteção e a assistência necessárias para poder assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade;

Reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão;

Considerando que a criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;

Conscientes de que a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial foi enunciada na Declaração de Genebra dos Direitos da Criança, de 1924, e na Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular, nos artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em particular, no artigo 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências Especializadas e das organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança;

Conscientes de que, conforme assinalado na Declaração dos Direitos da Criança, "a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, incluindo a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento";

Lembrando o disposto na Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar da Criança, com Referência Especial à Adoção e à Colocação em Lares de Adoção, em nível Nacional e Internacional; as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de Pequim); e a Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em Situações de Emergência e de Conflito Armado;

Reconhecendo que, em todos os países do mundo, existem crianças vivendo em condições excepcionalmente difíceis, e que essas crianças precisam de consideração especial;

Dando a devida importância às tradições e aos valores culturais de cada povo para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da criança;

Reconhecendo a importância da cooperação internacional para a melhoria das condições de vida da criança em todos os países em desenvolvimento,

estabeleceram, de comum acordo, o que segue:

PARTE I

Artigo 1

Para efeito da presente Convenção, considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, salvo quando, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

Artigo 2

  1. Os Estados Partes devem respeitar os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança em sua jurisdição, sem nenhum tipo de discriminação, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiência física, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
  2. Os Estados Partes devem adotar todas as medidas apropriadas para assegurar que a criança seja protegida contra todas as formas de discriminação ou punição em função da condição, das atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes legais ou familiares.

Artigo 3

  1. Todas as ações relativas à criança, sejam elas levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de assistência social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o melhor interesse da criança.
  2. Os Estados Partes comprometem-se a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores legais ou outras pessoas legalmente responsáveis por ela e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.
  3. Os Estados Partes devem garantir que as instituições, as instalações e os serviços destinados aos cuidados ou à proteção da criança estejam em conformidade com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde da criança, ao número e à adequação das equipes e à existência de supervisão adequada.

Artigo 4

Os Estados Partes devem adotar todas as medidas administrativas, legislativas e de outra natureza necessárias para a implementação dos direitos reconhecidos na presente Convenção. Com relação a direitos econômicos, sociais e culturais, os Estados Partes devem adotar tais medidas utilizando ao máximo os recursos disponíveis e, quando necessário, dentro de um quadro de cooperação internacional.

Artigo 5

Os Estados Partes devem respeitar as responsabilidades, os direitos e os deveres dos pais ou, quando aplicável, dos membros da família ampliada ou da comunidade, conforme determinem os costumes locais, dos tutores legais ou de outras pessoas legalmente responsáveis pela criança, para proporcionar-lhe instrução e orientação adequadas, de acordo com sua capacidade em evolução, no exercício dos direitos que lhe cabem pela presente Convenção.

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Texto completo da Convenção com os 54 Artigos, disponível na página do UNICEF, aqui, incluindo os seguintes Protocolos:

. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a Venda de Crianças, a Prostituição Infantil e a Pornografia Infantil. Em vigor desde 18 de janeiro de 2002.

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados. Em vigor desde 12 de fevereiro de 2002.

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre um Procedimento de Comunicações. Em vigor desde 14 de abril de 2014


65 Anos da Declaração Universal dos Direitos da Criança - 1959/2024


Declaração Universal dos Direitos da Criança

Preâmbulo

VISTO que os povos das Nações Unidas, na Carta, reafirmaram sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, e resolveram promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla,

VISTO que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamaram que todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição,

VISTO que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento,

VISTO que a necessidade de tal proteção foi enunciada na Declaração dos Direitos da Criança em Genebra, de 1924, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos estatutos das agências especializadas e organizações internacionais interessadas no bem-estar da criança,

VISTO que a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços,

ASSIM, A ASSEMBLEIA GERAL

PROCLAMA esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os seguintes princípios: 

PRINCÍPIO 1º A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração.

Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.

PRINCÍPIO 2º A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade.

Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.

PRINCÍPIO 3º Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade. 

PRINCÍPIO 4º A criança gozará os benefícios da previdência social.

Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas. 

PRINCÍPIO 5º À criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar.

PRINCÍPIO 6º Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão.

Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.

PRINCÍPIO 7º A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.

Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.

A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.

PRINCÍPIO 8º A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber proteção e socorro.

PRINCÍPIO 9º A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma.

Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.

PRINCÍPIO 10º A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza.

Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes.

Publicidade a ser dada à Declaração dos Direitos da Criança

A ASSEMBLEIA GERAL

CONSIDERANDO que a Declaração dos Direitos da Criança apela no sentido de que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e que as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconhecem os direitos ora enunciados e se empenhem por sua observância.

1- RECOMENDA aos Governos dos Estados membros, às agências especializadas interessadas e às organizações não-governamentais competentes que se dê a publicidade mais ampla possível ao texto desta Declaração;

2- SOLICITA ao Secretário Geral que esta Declaração seja amplamente divulgada e, para isto, se empreguem todos os meios à sua disposição para a publicação e a distribuição do seu texto em tantos idiomas quantos possíveis.


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Arte por Leo Nogueira Paqonawta

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Centenário da Declaração de Genebra dos Direitos da Criança - 1924/2024

 














Arte do autor

Após séculos e milênios de epidemias, violência e conflitos armados sem fim, crise de refugiados e inúmeros casos de emigração dos países europeus motivados pela pobreza, carência de educação, saúde e trabalho infantil nos campos e nas fábricas da Revolução Industrial, vem a I Guerra Mundial ceifando inúmeras vidas. Logo após, a chamada Gripe Espanhola completa um quadro desolador de mais de centenas de milhões de mortos.

Após a Guerra Mundial as potências vencedoras criam a Liga das Nações[1], ou Sociedade das Nações, assinada pelo Tratado de Versalhes[2] em 1919, com o objetivo de assegurar a paz entre os países, contando com 44 estados reunidos para tal. A sede se instalou em 1920 na cidade de Genebra na Suíça. 

“A Liga das Nações, à época, criou o Comitê de Proteção da Infância[3] - primeiro órgão fora do âmbito do Estado-nação em matéria dos direitos da criança - diante da quantidade de crianças e adolescentes órfãos após a I Guerra Mundial. A existência deste comitê faz com que os Estados não sejam os únicos soberanos em matéria dos direitos da criança”[4]. 

Foi então, neste início do século XX, que algumas pessoas tomaram a iniciativa de fazer algo pelos Direitos das Crianças, diante dos escassos esforços feitos pelo bem-estar dos menores. 

A Historiadora, Pesquisadora e Reformista britânica, Eglantyne Jebb[5] (1876/1928) já havia fundado a instituição Save the Children, e realizava extensos esforços de atendimento às necessidades das crianças pela Europa.

Janusz Korczak[6] (1878/1942), polonês, Médico, Oficial do exército, Pedagogo, Autor de livros infantis e Ativista Social desenvolvia inúmeras ações dedicadas ao amparo das Crianças, além de dirigir orfanato na cidade de Varsóvia. 

Gustave Ador[7] (1845/1928), filho de imigrantes, Advogado, Político e Humanista, foi Presidente da Confederação Suíça em 1919, se destacava na defesa de causas humanitárias pelos direitos de prisioneiros de guerra, refugiados e de civis encurralados pelas guerras, e apoiador da Cruz Vermelha[8], CICV, que também tem sede em Genebra, e é uma organização humanitária, independente e neutra, que se esforça em proporcionar proteção e assistência às vítimas da guerra e de outras situações de violência, criada em 1863. 

Eglantyne Jebb, então, escreve um esboço, que vem a ser assinado também por Janusz Korczak e Gustave Ador, compondo documento que vem a ser conhecido como Declaração de Genebra dos Direitos da Criança[9], com cinco princípios, aprovada pela Liga das Nações[10], em 26 de setembro de 1924, primeiro documento internacional sobre o assunto, precursor dos documentos internacionais e nacionais seguintes.

“A humanidade deve dar à criança o melhor que tem”, frase deste documento importantíssimo, que inspira e se refletirá em todas as cartas e ações de Direitos Humanos nas décadas seguintes.

Leopoldo Nogueira e Silva

O Paqonawta

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I . Declaration of Geneva, 23 February 1923, ratified during the fifth general assembly of Save the Children, on 28 February 1924, Humanium.org

II . Declaration of Geneva, 1924, UN Library & Archives Geneva


Declaração de Genebra 

26 de setembro de 1924 

Preâmbulo

Pela presente Declaração dos direitos da criança, conhecida como Declaração de Genebra, os homens e mulheres de todas as nações reconhecem que a humanidade deve dar à criança o melhor que tem, afirmando seus deveres, independentemente de qualquer consideração de raça, nacionalidade ou credo.

1. A criança deve ser colocada em condições de se desenvolver de maneira normal, material e espiritualmente.

2. A criança que tem fome deve ser alimentada; a criança doente deve ser cuidada; a criança que está atrasada deve ser encorajada; a criança em conflito com a lei deve ser recuperada; a criança órfã e abandonada deve ser recolhida e resgatada.

3. A criança deve ser a primeira a receber ajuda em caso de perigo.

4. A criança deve ter meios de subsistência e deve ser protegida contra toda exploração.

5. A criança deve ser educada com o sentimento de que suas melhores qualidades devem ser colocadas a serviço do próximo.



[1] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_das_Na%C3%A7%C3%B5es . Acesso em 31 de julho de 2024.

[2] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Versalhes_(1919) . Acesso em 31 de julho de 2024.

[3] As datas divergem entre 1919 e 1923. Disponível em https://www.conjur.com.br/2014-mar-27/edson-melo-sociedade-punitiva-colhera-violencia/ . Acesso em 31 de julho de 2024.

[5] Texto disponível https://pt.wikipedia.org/wiki/Eglantyne_Jebb . Acesso em 31 de julho de 2024.

[6] Texto disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Janusz_Korczak . Acesso em 31 de julho de 2024.

[8] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Comit%C3%AA_Internacional_da_Cruz_Vermelha . Acesso em 10 de agosto de 2024.

[9] Texto disponível em https://www.humanium.org/en/geneva-declaration/ . Acesso em 31 de julho de 2024.

[10] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_das_Na%C3%A7%C3%B5es . Acesso em 31 de julho de 2024.


quinta-feira, 10 de junho de 2021

O Menino Açoriano: algumas memórias de um espaço-tempo distante (Parte 1)

 

Arte: Leo Nogueira Paqonawta (2021)

O Menino Açoriano: algumas memórias de um espaço-tempo distante

Manuel acordava tão cedo que, nem o galo, morador mais barulhento em seu quintal, havia começado a cantar para saudar o Sol que dali a pouco nasceria lá longe, no mar. Ele sabia muito bem o que deveria fazer: se levantar pulando, depressa, e correr atrás do pai que já se preparava para o trabalho do dia. Era sempre assim, todo dia, menos aos domingos. 

Joaquim já estava na faina de preparar os apetrechos para levar à pesca junto com outros companheiros das redondezas. Maria já havia acendido o fogão de lenha, e esquentava umas misturas de folhas de sua horta para acompanhar o pirão e uns nacos de peixes, e terminar de assar uns bolinhos de mandioca para que seu marido levasse para o dia. E cantarolava suas canções que sua própria Mãe a havia ensinado.

Os olhos de Manuel ainda estavam cheios de seus sonhos da noite anterior. Enquanto bocejava e despertava aos poucos, enchia o bucho com a cumbuca de madeira que sua Mãe havia enchido de comida até à borda. E sorria sozinho com as lembranças da madrugada passada...

Ele se via bem no alto de um navio bem grande, e lá embaixo muitos homens se mexendo pra lá e pra cá puxando cordas, redes, carregando caixotes, assobiando e cantando juntos umas canções que lhe pareciam bem familiares... Eram piratas! 

Arte: Leo Nogueira Paqonawta (2021)

– Anda, Ixtepô! Tu não vês que já quase está a amanhecer? Queres mofar como a pomba na balaia? Avia! Depressa! Senão, nada de comida na mesa, nem para levar à Vila e aos Oficiais da Fortaleza! Prometi ao Capitão os melhores peixes! Fique ligeiro, seu molenga! – gritava o Pai, interrompendo de supetão os seus devaneios. E dali a pouco já estavam puxando a canoa a caminho do mar... 

Os companheiros do Pai faziam o mesmo, e mais um pouco os homens já haviam se lançado ao mar. O Sol já começava a aparecer, e a meninada ficou por ali espiando a cena, para depois começar uma gritaria em torno dos achados pela areia, trazidos pelas ondas da tempestade dos dias anteriores. 

Cada qual se gabava daquilo que encontrara, mas Manuel ficou quietinho, quietinho, guardando escondido um objeto que descobriu, bem seguro dentro de um pequeno saco pendurado aos ombros. E voltou ao casebre para cuidar dos bichos, ajudar a Mãe na horta e preparar algumas coisas para a festa de Páscoa da próxima semana. 

Seus olhos brilhavam, muito mais agora do que com o que se lembrava de seus sonhos. Lá dentro do saco, algo cintilante atiçava a sua imaginação... e ele esperaria seu Pai voltar para revelar o seu achado.


Clássica imagem de La Pérouse.
Navegador francês, mostra um panorama de Desterro em 1785, com a presença de uma europeia e uma negra. Acervo Carlos Damião



O Menino açoriano e um mistério a ser desvendado... 

As brincadeiras e tarefas das Crianças naquele dia foram muitas e, Manuel estava bem cansado e sonolento quando a tarde já ia pelo meio e os homens voltavam do mar com o produto de suas pescas. 

Ainda teriam a trabalheira de carregar os cestos cheios de peixes, feitos de tal modo que, os ramos trançados quase que não deixavam passar nem uma gotinha de água. Seu pai Joaquim havia aprendido isso com os antigos habitantes da Ilha, que chamavam desde há muito de “guaranis”. 

Tais apetrechos mantinham os peixes ainda vivos e, certamente bem frescos para a hora de cozinharem ou assarem no fogão improvisado do casebre onde moravam. Do mesmo modo, levariam peixes vivinhos para a Vila dos Oficiais e o respeitado Capitão. 

O Menino Manuel sabia muito bem o que fazer: penduravam balaio por balaio na parte do meio de um pedaço de pau bem forte, e duas pessoas os carregavam, dividindo o peso. Mas, isso de carregar os peixes de tal modo, foi o Avô dele que mostrou como fazia... 

O Velho Manuel deu o mesmo nome àquele neto que ele gostava tanto, porque via nele uma inteligência e curiosidade pela vida bem diferente das demais Crianças das redondezas. Ele não tinha nem 50 anos e ainda era forte para o trabalho, e sabia de coisas muito interessantes de seus estudos, e também curiosidades do que aprendeu lá nas Ilhas dos Açores. Chegou à Ilha com o filho Joaquim ainda pequeno, e outra penca de Crianças que tivera com sua esposa, Maria do Rosário, a Avó do pequeno Manuel. 

Foi nessa lida de carregar e colocar os peixes num laguinho salgado que o Menino Manuel teve um estalo das ideias e, ao invés de revelar o segredo do que achara de manhãzinha para o Pai, agora resolvera confidenciar ao Avô, considerado um Velho muito sábio ali naquela pequena comunidade. 

Mas o Menino Manuel estava tão cansado depois do dia de trabalho, que após comer o que sua Mãe havia preparado para o rancho de todos, deitou-se numa rede num dos cantos do casebre e, com os olhos quase se fechando. Porém, ouvia de longe a voz do Avô contando histórias cheias de saudades, enquanto ia como que se desligando da realidade de seu redor... 

Ainda se sentia pela Ilha os calores do verão que mal terminara, e soprava um ventinho gostoso com cheiro de mar, tão pertinho deles. O céu bem limpo de nuvens brilhava cheio de estrelas. Manuel já dormia, agarradinho com seu achado bem escondido, amarrado à sua cintura... e escutava outros sons... 

Gritos de terror saíam das gargantas, misturados com a água salgada que os ventos da imensa tempestade espalhavam por todos os lados! O navio batera num rochedo e já afundava, mastros se quebravam e velas rodopiavam pra lá e pra cá, espatifando cabeças e esmagando os corpos dos marinheiros que tentavam se segurar em alguma coisa, enquanto tudo sacolejava violentamente! 

O Comandante estava aterrorizado, porque naquele minúsculo baú que tentava segurar, com todas as suas forças, existia um tesouro que lhe compraria terras, além de um belíssimo castelo com o qual sonhava em morar com sua bem-amada noiva em Espanha. Ele que vivia para assaltar outros navios e roubar suas riquezas, já havia escondido outros tesouros, espalhados em muitos lugares por onde passavam durante suas viagens de pirataria pelos mares do Sul, do Norte, do Leste e do Oeste ao redor do mundo que havia velejado e conhecido. 

Dentro daquele bauzinho se encontravam os mapas de onde havia escondido fortuna imensurável, além de anéis, colares, moedas de ouro, e pedras preciosas de valor incalculável, de fazer inveja a reis e rainhas. 

O comandante teve o cuidado de fazer tal baú com uma madeira que boiava, e não tinha nenhuma aparência que revelasse o valor de seu conteúdo. Passaria desapercebido em qualquer lugar, como se fosse uma caixinha de nada, de guardar troços e trecos sem importância nenhuma. Era uma maneira de não despertar atenção, cobiça, inveja de ninguém. 

Raios cortavam os céus em todas as direções fazendo um barulho terrível, ao mesmo tempo em que o mar revolto parecia enlouquecido numa dança de vai-e-vem macabra. Ali perto, enormes rochas se destacavam da escuridão em meio aos relâmpagos fantasmagóricos. O naufrágio era certo! 

Um estrondo enorme se fez ouvir: cataplan! O barco havia se rachado ao meio, depois de bater nuns rochedos para acabar de se despedaçar todo. E o impacto fulminante fez com que os ainda poucos mercenários acabassem por morrer estatelados nas pedras que pareciam cuspir espuma. No meio da tempestade horrível o bauzinho precioso se desprende das mãos do Comandante Pirata, e é levado pelas ondas que o sacolejavam para bem longe daquele lugar sinistro... 

E num pedaço do pesadelo que parecia o final de seu sonho, o Menino Manuel via e ouvia um homem contar e anotar num pedaço de papel, enquanto uma vela bruxuleava em meio à escuridão da cabine de um navio que balançava suavemente. Depois, guardou o papel em uma desprezível caixa de troços e trecos, cheias de pedras preciosas e o belíssimo camafeu de ouro e madrepérola esculpido com o rosto de sua Bem-Amada Señora: 

PLAYA DEL SUR DE LA ISLA DE SANTA CATALINA 

X 

3.500 DOBRÕES DE OURO

85 SACOS DE FLORINS DE OURO

120 SACOS DE FLORINS DE PRATA

13.500 RÉIS DE PRATA

16.000 RÉIS DE OURO

70 QUILATES DE DIAMANTES

100 QUILATES DE SAFIRAS

30 QUILOS DE PÉROLAS


Vista da Ilha de Santa Catarina, Nossa Senhora do Desterro, 1785.
Autor: Duché de Farney.


O Menino açoriano no meio da noite estrelada...
 

“Señora Maria Leonor... Maria Leonor... Maria Leonor”... 

Como se estivesse caindo do mais alto mastro do navio para se estatelar lá embaixo no convés, o Menino Manuel tentava se agarrar ao que quer que fosse para evitar a queda que lhe partiria ao meio, e sabe-se Deus em cima do que se espatifaria, tal era a confusão que a tremenda tempestade provocava. 

Tchibummmmm... Ele caiu! 

O Menino Manuel acorda todo aturdido sobre o chão de sua choupana. Havia caído de sua rede bem no meio da noite, e todos dormiam, cada um no seu cantinho, exceto seu Avô. Com o espaço da choupana iluminado apenas pelas brasas do fogareiro de lenha, olhou ao derredor e se levantou para procurar o Velho Manuel. 

Lá estava o Sábio Ancião, silencioso e solitário dentro da escuridão, contemplando as estrelas e murmurando, quase silenciosamente, suas antigas orações da infância e juventude lá pelas bandas de uma das 9 ilhas açorianas: a saudosa Ilha Faial com sua cidadela Horta. 

- Avô? – chama o Menino esfregando os olhos do sonho e as costelas do tombo... 

- Oh, Menino! Bem que te vi remexendo muito em sua rede! Tivestes outro sonho cheio de mistérios? Conte mais este para este velhinho que vos ama muito! 

Sorrindo com confiança e dando alguns bocejos, ambos se puseram a conversar daqueles dois sonhos. E, assim, o Menino criava o cenário para, enfim, revelar seu achado do dia anterior. 

Somente o zumzumzum dos dois era ouvido enquanto o mar quase que lhes chegava aos pés para poder escutar tais segredos. A noite estrelada resplendia nos céus, enquanto as 5 estrelas do Cruzeiro do Sul piscavam, como testemunhas daqueles dois diminutos seres entabulando um diálogo sobre a areia... 

De repente, um pontinho de luz celeste risca o céu desde acima de suas cabeças até o lado de onde o Sol nasceria dali a pouco. Os dois Manuéis observam aquilo extasiados, depois se olham um no olho do outro, abrem um largo sorriso e se dão num abraço apertado... 

O Menino retira de sua roupa o tal objeto, segura a mão do Avô, e nela deposita aquela coisa que cintilava como as estrelas.



Dobrão de Ouro.
Colônia, D. João V - Casa da Moeda de Vila Rica (Minas Gerais); 20.000 réis 1724,
letra monetária MMMM; ouro 916,6 ‰, 53,78 gramas, Ø: 38 mm.


O Menino tremia de emoção quando depositou na concha da mão de seu Avô aquela moeda dourada, relativamente pesada, brilhante, reluzente. Por um instante, o Velho Manuel fechou seus dedos sobre ela, e ficou em silêncio por mais um pouco, olhos cerrados, respiração lenta, mas o coração batendo descompassado e forte. 

O Pequeno Manuel se deixou ficar ali, porém muito mais aflito, que de tal maneira podia se ouvir os dois corações pulando dentro do peito, querendo saltar pela boca e se transformar em palavras. 

Foi o Velho Manuel que, depois de um looooongo suspiro, disse algo primeiro e surpreendentemente calmo: 

- Meu Neto querido, achastes algo que meu Espírito ansiava muito por encontrar. Quis o Destino que fostes vós que topasse com um sinal daquilo que pertence à nossa sagrada Ordem, por direito, e foi o verdadeiro motivo de nossa vinda com seu pai e tios para essa região, como desterrados de nossa longínqua Faial. 

O Manezinho ouvia aquilo, entre orgulhoso de si mesmo e completamente “estupefacto” - como às vezes seu Avô dizia – pois era a confirmação de uma das muitas histórias que o bom velhinho lhe segredara tantas vezes. E o Manezão continuou.

- Meu Querido Neto Manuel... A Providência Divina nunca falha em Seus desígnios, sempre sábios e justos para uma humanidade, embora os homens e as mulheres neste mundo pouco compreendam das coisas mais profundas e sérias que temos por responsabilidade na Terra onde habitamos... 

O Menino arregala os olhos, e ouvia com as orelhas beeeeem abertas também... 

- A maldade de algumas pessoas pode trazer muita infelicidade para a humanidade inteira, e infelizmente esses a quem chamamos de Piratas já causaram muitos dissabores, até mesmo para Reis e Rainhas. 

O Bom Velho parou de falar um pouco, como se buscasse na memória uma ou outra imagem do passado distante. O Menino também, se lembrava mais ainda de seus sonhos, e eles se tornavam mais nítidos à medida que se concentrava nessas lembranças. E o Manezão continuou. 

- O Povo Português sempre foi muito trabalhador, esforçado e talentoso. Por nossa posição geográfica privilegiada com nossa saudosa Terrinha Lusitana voltada como que com seu rosto para o Grande Mar, também desde cedo se lançou ao desconhecido, enfrentando com coragem e destemor as aventuras “por mares nunca d’antes navegados” por nenhum outro povo europeu. 

- Mas também se embrenhou em muitas lutas sem sentido pelo continente europeu adentro, até ao Oriente Médio. 

O Velho Manuel parou de falar e deixou o pensamento e o sentimento navegar pelas recordações dessas passagens das quais se referiu ao Neto... E continuou depois de outra breve pausa. 

- Toda essa coragem de se lançar ao mar começou com os esforços de nosso valoroso Príncipe Navegador, que também foi Superior de nossa Bem-Amada Ordem. Também por isso que as naus portuguesas levavam estampadas em suas velas o mesmo símbolo majestoso, que nos inspira os mais justos esforços pelo bem dessa humanidade, a quem nos devotamos com os melhores pensamentos, sentimentos e ações para espalharmos a Boa Vontade e a Paz. 

E finalmente o seu Avô toca no assunto que o Menino já desconfiava... 

- Esta Moeda, Pequeno Manuel, é parte de um tesouro que foi roubado de nossa Ordem e, entre nós que fazemos parte dela, sabemos que um Pirata o escondeu aqui ao Sul, por essas bandas da Ilha de Santa Catarina, onde agora vivemos... 

Se o Menino já estava com olhos e orelhas arregalados, agora era sua boca que se abria enormemente. Então, disse: 

- Ohhhhhhhhh!... Eu bem sabia disso. Vi nos meus sonhos! E, agora, Avô, o que faremos para encontrar o tesouro inteiro? 

- Meu Neto... Todo cuidado é pouco e, temos de ser muito discretos para não atiçar a curiosidade das pessoas. Você também não deve falar sobre isso com absolutamente ninguém, pois já vos ensinei muitas coisas que pedem segredo secretíssimo! 

E advertiu o Pequeno: 

- Por ora, façamos silêncio obsequioso! E enquanto continua a fazer suas tarefas diárias com vosso Pai Joaquim, eu tratarei de outros assuntos importantes, nos preparando para receber Sua Majestade o Imperador que, em breves meses, estará visitando nossa região. Tenha muito cuidado, meu Menino, para não dar com a língua nos dentes e colocar tudo a perder! 

Como o Menino sabia que o Avô sempre falava sério, e já habituado às seríssimas observações dele, jurou de pé junto e beijando os dedos em cruz que assim guardaria tal segredo. 

Então, com essas impressões e apreensões, agradeceram à Providência Divina pelo sinal dado pela moedinha dourada, e foram animados para dormir mais um pouco, antes que o dia raiasse. 

O Pequeno Manuel caiu em sua rede e dormiu quase que imediatamente. Mas não teve sonhos... E seu Avô ficou de seu cantinho espiando o Neto, com a moeda escondida entre suas roupas, ainda fazendo algumas orações silenciosas, até que pegou no sono mais profundo. E foi ele quem teve sonhos maravilhosos nesse restinho de madrugada... 


Baú de tesouro
Fonte: https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/f6/2017/06/22/arca-do-tesouro-caca-ao-tesouro-bau-com-tesouro-ouro-indoor-joias-ilustrativa-1498142299380_300x300.jpg.webp

CONTINUA...

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Manifesto das Crianças


Mandala das Crianças de Mãos dadas (2018)

Crianças do mundo inteiro, uni-vos!


Vivemos um outro Tempo/Espaço de pás, de baldes, de regadores, enxadas, foices e martelos, de lápis multicoloridos que derrubam todas as cercas, muros e portões, de salas que  separavam os meninos e meninas de seus sonhos.

Crianças, um mundo despedaçado em ruínas espera sua chegada para que outras formas de viver em alegria re-criem a beleza para as futuras estações do Bem Viver.

Sorriam ao compartilharem suas flores, sentem-se à grama e re-criem seus brinquedos. Inspirem outras crianças adormecidas a brincarem também. Quando elas ouvirem suas gargalhadas saberão que podem se juntar à brincadeira e realizar as vontades de sua criativa imaginação.

Ah, crianças, que as manhãs de seus sonhos façam cair os véus das antigas e tristes noites de quando seus sonhos lhes foram retirados. Sejam corajosas, vivam seus ideais, despertem da sonolência que lhes foi imposta pelos contadores de uma história que lhes tirou a dignidade e os finais felizes. Em cinco pétalas e palavras: acordem, brinquem, vivam, realizem, sonhem.

Continentes inteiros esperam sua chegada, crianças, para que da terra brotem as esperanças adormecidas. As cidades mortas, as casas vazias de ternuras, as estradas poeirentas, os campos aguardam sua vinda. Espalhem-se, recriem a natureza à imagem e semelhança de suas aspirações. Que a solidez das flores se desmanche no ar em perfumes ao toque gentil de beija-flores, ao re-en-canto de passarinhos amarelos em bem-te-vis e bem-te-queros anunciando o Grande Dia.

Deixem os bancos enfadonhos das escolas que transformaram as crianças em peças de máquinas, e dispersem-se pelos canteiros em buscas e entregas na des-coberta desse Outro Mundo com seus novos amigos. Ah, crianças, abram suas asas da imaginação para se tocarem e repartirem o que têm des-coberto. Subam às árvores, iniciem hoje essas voltas na espiral do in-finito na revelação desses sonhos.

As flores e os frutos deste jardim são abundantes. Juntem-se para colher mil e um buquês em poesias perfumadas com os aromas da vida, façam suas cestas para depois irem re-partir essas alegrias plantadas e des-cobertas. Anunciem este jardim aos outros, chamem mais crianças para brincar, que estes campos são para todos. Unam-se.

Crianças, que seus corações estejam abertos para compartilhar a riqueza de ideias e ideais de cada um. Que o futuro seja re-construído a partir de seus sonhos de ventura. Com-partilhem, de mãos cheias de alegria, os abraços e cuidados para com tudo e todos. Construam, assim, seu mundo novo, vivo!

Re-inventem suas novas formas de brincar, esqueçam-se das pilhas e dos manuais de instruções de cada jogo que lhes foi ensinado. No amor e companheirismo dedicados uns aos outros poderão ser des-veladas outras maneiras de contar e fazer o mundo. Sejam livres para fazer a sua linda história de amor e solidariedade.

Brinquem, que as árvores e o jardim são de todos, e no universo in-finito a Terra é a escola para essas mil e uma aventuras e bem-aventuranças. Co-movam-se!

Meninas e meninos, tragam seus gracejos e sua vida! Venham com todos os seus brinquedos fazer casinhas nas árvores, re-encontrar uma família de irmãs e irmãos que com-partilhem a vontade de re-criar os laços de ternura e afeto nessa humanidade de seres livres para o amar brincante.

Uma outra era começa a partir de sua semeadura. Que nos canteiros de flores sejam des-marcadas todas as fronteiras de sua meninice, para que seja conquistada nessa partilha a amizade entre todos, numa só pátria de solidariedade como flor desabrochada por seus anseios.

Do mundo antigo há arvores que lhes foram mostradas lindas, como a da liberdade, a da justiça, a dos direitos e tantas outras que jamais lhes foram dadas para brincar. Mas, em seu jardim, todas as novas árvores estarão verdes na primavera de e-ternuridades para vocês balançarem em seus galhos, e se deitarem às suas sombras nos dias de calor. Venham, tragam suas sementes para plantar de novo aquela Esperança que ilumina a Vida.

Sim, isso poderá se realizar em 10 passos como no jogo de amarelinha, pé-ante-pé, indo das tristezas das paisagens que lhes foram dadas até além, onde o céu se põe em espetáculo de cores. Vamos, se abracem. Pulem! Atravessem os caminhos e a Ponte Colorida de mãos dadas. Juntem-se em “mão-nifestações” pelos quatro cantos mundo!

As crianças arrancarão de seus corações, pouco a pouco, todas as ervas daninhas que lhes foram plantadas pela tradição das escolas, como tem acontecido através dos séculos. Isso não acontecerá novamente neste maravilhoso jardim-da-infância. Com-partilhem seus lápis de cores do Arco-Íris e coloram todas as letras com suas vozes e meninices para dar outro sentido às palavras que lhes quiseram calar. Re-vira-voltem a escola pela sabedoria nesses seus voos e passos re-evolutivos!

O seu poder, crianças, está para converter a secura das paisagens em florestas e bosques perfumados de doçura e sorrisos. Desapareçam, como que por encanto, todos os seus medos quando vocês se derem as mãos para isso. Que outros saberes e fazeres re-inventem o mundo pela sabedoria que vem desse amor e espiritualidade que nos irmana a tudo e ao todo.

Borboletas, abelhas, minhocas, passarinhos, todos se aliam a favor de seus sonhos. Em lugar dos antigos blocos de cimento duro ou asfalto seco, juntem-se em suas brincadeiras para que todos possam correr livres pelos jardins e campos à espera de sua vida.

Em resumo, sejam a favor de tudo aquilo que lhes coloquem a caminho dos jardins que esperam a re-evolução nas estações com suas alegrias, com o sol, a lua, as estrelas, a chuva, o vento, o tempo/espaço das bem-aventuranças.

Crianças, coloquem em primeiro lugar, como ponto fundamental, a questão de se apropriarem de todas as terras para plantar flores e grãos com suas pás, baldes e regadores. Finalmente, unam-se para que todos as entendam em todos os países na sua língua de alegria infantil.

As crianças têm toda a infância a perder se não soltarem a imaginação e abrirem as caixas de brinquedos para libertar a Esperança como uma pandorga livre no ar. Têm um mundo a sonhar e realizar como seus.

Crianças do mundo inteiro, uni-vos!*

Paqonawta

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Leo Nogueira Paqonawta (Leopoldo). Escrito em 1986, inspirado no Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, de 1948, de trás pra frente...

* Re-vira-voltado em 2013, inspirado nas crianças dos quatro cantos do mundo atravessando os caminhos e a Ponte do Lápis Arco-íris, de frente pra trás, de dentro pra fora, de baixo pra cima, de fora pra dentro, de cima pra baixo, re-dimensionando nas des-cobertas nesses passos e voos re-evolutivos pelo Universo in-finito.

Legos de: Descartes, Nietzsche, Marx, Engels, Lenin, Che Guevara, Gorky, Carles Chaplin, Francisco de Assis, Van Gogh, Einsten, Gandhi e Pelé. Veja mais em: http://boletimdaturma.blogspot.com


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Pede-se citar a fonte e entrar em contato com o autor: Manifesto das Crianças . Leo Nogueira Paqonawta . ciadapaz@gmail.com . http://ciadapaz.blogspot.com