Patrícia L. Paione Grinfeld
Ouvi de uma
menina beirando os 8 anos que seu sonho era fazer uma boneca, não
importava como ela fosse. Podia ser de papel, de pano, de milho, como a que fez
nas férias com a prima que mora no interior do Ceará (as mesmas que sua mãe
fazia na infância). Sua fala me surpreendeu e me encantou. Ela estava na
contramão do desejo da maioria das meninas de sua idade por bonecas
industrializadas.
Aqui, não vem
ao caso o significado deste desejo, mas o episódio me fez pensar no quanto as
crianças de hoje estão sendo isentas dos processos de feitura. Tudo vem pronto,
processado – pela indústria ou outras pessoas.
Durante um
bom tempo os brinquedos foram construídos pelas crianças, com sua participação
ou pelo menos com sua presença ao lado de quem o executava. A criança tinha
oportunidade de acompanhar, se não todo o processo, uma parte dele. O desejo de
ter atravessava o fazer e a espera.
Isto não se
limitava à confecção de brinquedos. A criança vivenciava começo, meio e fim,
antes e depois, nas pequenas coisas cotidianas. Para chupar laranja era preciso
descascá-la. Para comer bolo, fazê-lo. Para ter um cachorro, esperar que alguma
cadela desse cria. Para morar na casa própria, era possível vê-la ganhando
forma dia após dia.
Hoje, não é
surpresa para ninguém uma criança não saber chupar laranja e morar no sudeste
brasileiro; não saber que bolo é feito de manteiga, farinha, ovo ou
ingredientes que os substituam; não saber que cachorro mama na cadela e que
para construir casa usa tijolo, cimento e outros materiais.
Em um mundo
aonde nossas necessidades e desejos vêm prontos (até o cachorro sai de
vitrine!) – ou são sempre possíveis de ser realizados – as crianças estão sendo
eximidas da participação nos processos das coisas mais banais da vida. O tempo
é do instantâneo, do imediato, do sem espera. Por isto mesmo, o tempo é
do desprezível, do descartável, do usa e joga fora – de caixas longa vida às
relações afetivas (para não dizer à própria vida).
Sei que
existe um passado que não volta mais e que a vida contemporânea está cheia de
privilégios que antes não existiam – poder terminar uma relação quando se
percebe que não vale à pena levá-la adiante, falar “cara a cara” com quem mora
distante, ter uma doença curada, são exemplos de uma infinidade de coisas boas
que a contemporaneidade tem nos permitido e que não devem ser esquecidas.
Qualquer
época é regada de aspectos positivos e negativos. No entanto, penso que é
primordial indagar como nossas crianças enfrentarão os desafios que a vida
apresenta, se estamos mergulhados num mundo em que raramente é dado tempo de
maturação; ou seja, tempo para que um processo aconteça, com todas as etapas
envolvidas, inclusive a resolução de dúvidas, conflitos e o encontro de
soluções.
Creio que
existe uma correlação entre o tempo do instantâneo e as sensações de
esvaziamento e de falta de sentido vivenciadas por muitos, inclusive crianças,
que têm se deprimido ou apresentado outros sintomas porque não participam ativamente
de suas próprias vidas. Há sempre um gestor externo, do publicitário à família
e sociedade. Há sempre um preenchimento do que parece vazio ou faltante.
No meu ver,
há dois mecanismos que se somam a este tempo atual, e por isso merecem atenção:
1) A
existência de certa equidade entre ser criança e ser adulto. Quando há um
desnivelamento hierárquico adulto-criança, fica difícil saber quem é quem e,
portanto, quais são os limites, deveres e responsabilidades de cada um.
2) A
desobrigação da criança na participação de pequenas coisas do dia a dia.
Afinal, como diz a música de Arnaldo Antunes, criança não trabalha,
criança dá trabalho (se de um lado a música é uma defesa à infância sem
trabalho em seu sensu stricto, de outro, revela um aspecto do contemporâneo de
nossas crianças: ter sempre alguém para fazer por ela, criando uma relação de
muita dependência e pouca autonomia).
Os processos
são constituídos de ciclos, ordem e limites. Quando abolidos da vida das
crianças (e adultos), fica muito difícil suportar o que não vem pronto e
imediatamente.
Não há como
combater o tempo, mas é possível que as crianças sejam ativas nos processos que
envolvem sua vida. Para isso, é preciso incentivar sua participação nos
processos que a envolve direta e indiretamente. É preciso que criança possa ser
criança e que adulto possa ser adulto. É preciso permitir a criança
testar, experimentar e errar. É preciso estar junto, suportando o tempo da
espera e do ritmo de cada um.
Reproduzido
de Ninguém
Cresce Sozinho
07 out 2013
Criança não trabalha
Paulo Tatit/ Arnaldo
Antunes
Lápis, caderno, chiclete, peão
Sol, bicicleta, skate, calção
Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão
Bola, pelúcia, merenda, crayon
Banho de rio, banho de mar, pula sela, bombom
Tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão
Giz, merthiolate, band aid, sabão
Tenis, cadarço, almofada, colchão
Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão
Criança não trabalha
Criança dá trabalho
Criança não trabalha
Lápis, caderno, chiclete, peão
Sol, bicicleta, skate, calção
Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão
Bola, pelúcia, merenda, crayon
Banho de rio, banho de mar, pula sela, bombom
Tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão
Criança não trabalha
Criança dá trabalho
Criança não trabalha
Giz, merthiolate, band aid, sabão
Tenis, cadarço, almofada, colchão
Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão
Criança não trabalha
Criança dá trabalho
Criança não trabalha
1, 2 feijão com arroz
3, 4 feijão no prato
5, 6 tudo outra vez
Lápis, caderno, chiclete, peão
Sol, bicicleta, skate, calção
Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão
Bola, pelúcia, merenda, crayon
Banho de rio, banho de mar, pula sela, bombom
Tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão
Giz, merthiolate, band aid, sabão
Tenis, cadarço, almofada, colchão
Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão
Criança não trabalha
Criança dá trabalho
Criança não trabalha
Lápis, caderno, chiclete, peão
Sol, bicicleta, skate, calção
Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão
Bola, pelúcia, merenda, crayon
Banho de rio, banho de mar, pula sela, bombom
Tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão
Criança não trabalha
Criança dá trabalho
Criança não trabalha
Giz, merthiolate, band aid, sabão
Tenis, cadarço, almofada, colchão
Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão
Criança não trabalha
Criança dá trabalho
Criança não trabalha
1, 2 feijão com arroz
3, 4 feijão no prato
5, 6 tudo outra vez
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